Como a pandemia do coronavírus me fez refletir sobre o consumo de carne e a libertação animal

Bruno Capilé

Enquanto sigo as diretrizes sanitárias e confinamento para contribuir coletivamente para o controle da contenção da pandemia do coronavírus e sua doença (COVID-19), uma reflexão me veio à mente: como posso contribuir para evitar futuras pandemias respiratórias. Sim, é uma questão de tempo até ocorrer a próxima. Concluirei mais adiante que a diminuição ou o fim do consumo de carne animal poderá salvar muitas vidas humanas num futuro próximo. Ou seja, nossas vidas estão intimamente ligadas às vidas de outras espécies de maneiras que nem imaginamos.

Por ser uma relação direta da ação da espécie humana no planeta, vamos dar uma visão mais evolutiva e ecológica deste episódio pelo qual estamos passando. O vírus, assim como todos os seres vivos, também se incluem na lógica evolutiva da seleção natural. E assim explora as brechas em nossa sociedade moderna, e em nossos comportamentos.

Em primeiro lugar, somos uma espécie de comportamento gregário. Não somente somos mais de 7 bilhões de humanos neste barco planetário, mas temos nos amontoado em grandes cidades no último século. Não é coincidência ocorrerem epidemias em países populosos como a China, com 1,3 bilhões de pessoas. Em segundo lugar, somos uma sociedade moderna industrial capitalista. Isso significa muita coisa, mas ressalto aqui duas: a ideologia de que não podemos parar, se não a economia também para, e o modo industrial como produzimos alimentos. Ao circularmos livremente para o trabalho, para a escola e outras tarefas cotidianas que “não podem parar”, o vírus se aproveita e se alastra facilmente. Os países que demorarem a perceber a importância de parar, infelizmente, terão a livre circulação do vírus pela população rapidamente, saturando o sistema de saúde.

Em terceiro lugar, temos o nosso relacionamento tóxico com outras espécies – a produção industrial de carne. Essa relação com centenas de bilhões de indivíduos de outras espécies para nossa alimentação é uma atividade industrial em que se tem em mente o lucro, o prazo, e, só nas últimas décadas, a salubridade. Sim, a aglomeração destes animais é um problema de saúde para eles e para nós, já que muitas vezes essas doenças “migram” para a espécie humana como a varíola e a gripe. Mesmo com as políticas sanitárias, têm ocorrido problemas diversos como a febre aftosa, o príon que causa o mal da Vaca Louca e especialmente as epidemias causadas por vírus que afetam nossas vias respiratórias.

As últimas pandemias de doenças respiratórias derivaram especialmente dessa relação tóxica com as espécies que exploramos para nos alimentar. Em 2004, o vírus influenza A H5N1, popularmente chamado de gripe aviária, se originou na criação industrial de aves para alimentação em países populosos na Ásia. Ou seja, (1) uma região populosa com (2) produção industrial de (3) aves para alimentação humana. Este tipo de vírus marcou a história humana em outros episódios pandêmicos anteriores em 1918, 1957 e 1968, sendo o primeiro a gripe espanhola que matou milhões de pessoas em 1918. Outra variedade do influenza A gerou uma pandemia em 2009, a gripe suína ou H1N1, com milhões de casos e centenas de milhares de óbitos.

Em momento global mais progressista, em parte devido à crise capitalista de 2008, os Estados investiram na elaboração de uma vacina para a gripe suína e em medidas sanitárias nos centros de produção de carne por todo o mundo. Milhões de suínos foram mortos e descartados nesse evento, assim como milhões de aves também o foram na pandemia e epidemias anteriores.

Ao que tudo indica, o surgimento do corona vírus também se deu num país populoso e industrial (China) num contexto de uma relação desnecessária de termos outras espécies para comer. Uma grande diferença é nosso cenário de 2020, quando políticas neoliberais cortam investimentos em pesquisas, céticos e irresponsáveis retomam debates científicos resolvidos séculos atrás, e um horda de criadores de fake news atrapalham as boas informações.

Enquanto aprecio o comprometimento de cientistas e as políticas públicas sanitárias para resolver essa crise planetária, reflito: o que o vírus pode nos ensinar? Será que vamos aprender comportamentos sanitários mais eficientes como os países populosos asiáticos experientes em epidemias respiratórias, ou manteremos nosso ceticismo cego como ocorreu inicialmente na Itália? Será que seremos regidos por uma ideologia hegemônica capitalista de empresários e acionistas bilionários ou criaremos ideologias mais humanizadas, de respeito e de afeto? Será que as empresas desenvolverão medidas justas que solucionem futuras pandemias ou precisaremos de Estados fortes com uma noção de justiça social e ambiental mais aguçada?

De qualquer maneira, é uma ótima oportunidade de revermos nosso consumo massivo de carne. Enquanto indivíduos, podemos começar com um dia sem carne na semana, depois podemos aumentar. Diversifique os encontros sociais para algo mais do que churrascos quando a pandemia passar. Já não cabe espaço para piadas e deboche com comportamentos positivos como o veganismo, respeite seus amigos veganos. Acabou a graça na geração passada. Mesmo que pequenos, nossos passos para a libertação animal certamente nos ajudará em nossa própria libertação.

Fiquem em casa
Fiquem seguros

Comments

  1. João Gabriel says:

    É sem dúvida desnecessária a prática de termos outra espécie animal só para alimentar prazeres gustativos. Porque é pra isso e só. Sabe-se que todo e qualquer nutriente pode ser obtido via vegetais e pouquíssima suplementação – esta, vale lembrar, também necessária pra quem se alimenta de bichos. Enfim, tomara que o resultado disso tudo seja os olhos voltados para os benefícios que estão ocorrendo com nossa não circulação de carro por aí, os canais de Veneza limpos e o que mais puder acontecer de bom dessa tragédia toda. Belo texto, Bruno. Foi indicação da Danúbia.

    • Bruno Capilé says:

      Escrevi o referido texto, e alguns colegas e amigos mencionaram a relação do covid-19 com espécies exóticas. Alguns destes comentadores mencionaram que não houve relação com a produção industrial do boi, por tanto, não teria problema em continuar a comer.

      Acho que não fui claro, mas a reflexão era pra ser sobre nosso relacionamento tóxico com as espécies animais. TODOS animais.
      Tentarei ser mais claro em outros textos.

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